Compositor inicia 2022, quando completa 8o anos, na expectativa de retomar agenda de shows e refletindo sobre música, tempo e negacionistas: ‘uma gente sem cultura, sem história’
Paulinho da Viola completará 80 anos em 12 de novembro. Diz que, “por enquanto”, está tranquilo. “Não dá para brigar com o tempo.” Este ensinamento perpassa a vida e o trabalho do artista, seja em versos que escreve ou na forma que conduz a carreira.
Insistentemente perguntado por jornalistas sobre quando lançará um novo disco de inéditas, avisa que ainda não será nos próximos meses:
— Estava tudo combinado, mas pedi um tempo. Preciso entender melhor como funcionam as formas de gravação e distribuição agora. Acho estranho gravar só duas, três músicas e depois lançar na internet.
Antes de voltar ao estúdio vem a volta aos palcos, dos quais ficou longe por quase dois anos, em função da pandemia. Em dezembro passado, já tendo tomado a terceira dose da vacina, fez shows em São Paulo. Faria outro neste domingo, dividindo a frente do palco com os filhos Bia Rabello (cantora) e João Rabello (violonista), mas o Festival Spanta foi adiado por conta do aumento dos casos de Covid-19. Tem apresentação marcada para 26 de março, no Vivo Rio.
Consegue perder a calma ao falar dos negacionistas, que atacam e recusam as vacinas, pondo o restante da população em risco:
— É uma gente sem cultura, sem história, que não aceita contradições, contestações.
Depois de ser vacinado pela segunda vez, começou a sair de sua casa, no Itanhangá, para dar passeios de carro. Espantou-se ao ver uma casa de shows lotada e saber que as praias também estavam assim. Como de hábito, tenta ser compreensivo:
— É isso o que as pessoas fazem. Ficar confinado o tempo todo é complicado.
Durante os meses em que ficou recluso, recomeçou a compor temas instrumentais. Sua produção de choros é referência no gênero, mas pouco conhecida do público. Suas peças para violão atraem virtuoses como João Camarero, que acaba de gravar duas.
Para o retorno aos estúdios, está com quatro sambas prontos, com letra e música, e enviou uma melodia para Hermínio Bello de Carvalho letrar. Um dos sambas tem como tema o próprio samba, mas sem usar essa palavra.
— O samba é o que foi minha vida, o que tem sido — afirma Paulinho.
Seu último trabalho em que novidades predominaram no repertório foi “Bebadosamba”, de 1996. Mas, em 2007, o “Acústico MTV” apresentou quatro músicas até então não gravadas por ele. Em 2020, saiu um registro ao vivo feito em 2006 e que ganhou o nome “Sempre se pode sonhar”. A faixa-título, parceria com Eduardo Gudin, era a única inédita na sua voz. Foi escolhido, no ano passado, o melhor álbum de samba do Grammy Latino. Só existe nas plataformas de streaming.
— Ainda acho estranho não ter o produto físico, com todas as informações — assinala.
Paulinho do Insta
O perfil @paulinhodaviola tem 103 mil seguidores no Instagram. O compositor não faz as postagens, mas diz que elas passam por seu crivo e que dá sugestões. Usa o celular para gravar ideias e enviar mensagens.
— Demoro muito para escrever, porque tenho mão enorme e unha de violonista — diz, com humor. — Sou um homem do século XIX. Não sei o que estou fazendo aqui.
Viver por oito décadas significa, inevitavelmente, perder muitas pessoas próximas. Entre as que se foram de 2019 para cá estão Elton Medeiros, Aldir Blanc, Nelson Sargento e Monarco.
— A gente fica meio sem chão.
Paulinho da Viola compôs em 2010 “Um cara bacana”, samba em homenagem a Elton Medeiros que entrará no futuro disco. Foram amigos desde a primeira metade dos anos 1960 e parceiros em músicas como “Onde a dor não tem razão” e “Recomeçar”. Nelson Sargento foi companheiro dos dois no histórico show “Rosa de Ouro” (1965).
— Eu mostrava minhas músicas para o Nelson e ele me abraçava, me incentivava — recorda, também saudoso do amigo Zé Keti, que morreu em 1999. — Ele me chamava de “meu pupilo”. O que eu poderia querer mais?
Velha guarda
Monarco era o último remanescente da formação da Velha Guarda da Portela que participou do disco “Portela passado de glória”, produzido por Paulinho em 1970. Para a Velha Guarda prosseguir, acredita Paulinho, é necessário que os mais jovens se integrem ao conjunto, como já vem acontecendo:
— Não precisa ter certa idade. O essencial é preservar a história.
Foi o que ele fez em 1970 e que lamenta não ter feito mais. Conversava muito com os antigos portelenses, mas não gravava as conversas. Tentou fazer isso com Antônio Caetano, um dos fundadores da escola de samba, mas diz que não funcionou.
— Eu não era a pessoa certa, não tinha preparo, não sabia como fazer. É importante registrar o que essas pessoas têm para contar. Elas sabem de coisas que ainda não estão nos livros.
Expoente da chamada MPB, surgida em meados dos anos 1960 com os festivais da canção, Paulinho acha que não só esta é jovem. A música popular no país também é.
— São só cem anos. Nas décadas de 1920, 1930, pouca gente tinha rádio — diz. — Ainda há muita riqueza em todos os cantos do Brasil. Não é certo que isso fique restrito a meia dúzia de informados.
Dá para constatar que a velocidade de agora tem pouco a ver com a ideia de tempo de Paulinho. Estranha ver filhos e netos absortos nos celulares. Mas, com a autoridade de quem sempre refutou o saudosismo, procura não se queixar das mudanças.
— Tudo muda rápido, os valores mudam. Muita gente quer emplacar suas propostas. É normal. A gente nunca sabe nada.
Fonte: O Globo
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