Por Raabe Andrade
O presidente Jair Bolsonaro assinou uma Medida Provisória (MP) que adia o pagamento de recursos previstos em lei, aos setores da cultura e de eventos em todo país. A MP n° 1.135/2022 foi publicada na última segunda feira (29) no Diário Oficial da União e se aplica às leis: Paulo Gustavo, Aldir Blanc 2 e Perse.
A medida foi recebida com espanto pela classe artística e cultural, pois até então não havia indícios de que as leis seriam desrespeitadas. O adiamento desses repasses impacta diretamente artistas e agentes culturais, que ainda se recuperam dos efeitos da pandemia
O que estava previsto e o que mudou
A Lei Paulo Gustavo foi sancionada em julho deste ano, com o intuito de fomentar o setor cultural e atenuar os efeitos econômicos da pandemia no setor. A partir da data de promulgação da lei, os repasses de R$ 3,8 bilhões para estados e municípios deveriam ser feitos em “no máximo” 90 dias. Esse prazo se encerraria no início de outubro.
A MP, entretanto, revoga o trecho da lei que determina prazo original de pagamento, adiando-o para 2023 sem especificar o mês em que serão feitos os repasses. Além disso, ela altera o texto original e retira o caráter impositivo da lei. O texto que antes dizia “A União entregará”, denotando um compromisso formal, agora introduz a expressão “fica a União autorizada”, mas não obrigada a tal. Além disso, o valor dos repasses deixa de ser um valor fixo e fica à mercê das “disponibilidades orçamentárias e financeiras de cada exercício”.
Essas alterações se aplicam também à Lei Aldir Blanc 2, igualmente aprovada a fim de suprir a carência emergencial do setor cultural e artístico na pandemia. Essa Lei prevê um repasse anual de R$ 3 bilhões aos governos estaduais e municipais, durante cinco anos, para o financiamento de iniciativas culturais. Pelo texto da lei original, aprovado pelo Congresso, os repasses deveriam começar em 2023; com a MP, esse prazo foi adiado para 2024.
Ambas as leis homenageiam artistas brasileiros vitimados pela covid-19 nos anos de 2020 e 2021.
Impactos para a classe artística
A MP prejudica diretamente diretamente artistas e agentes culturais que dependem de financiamento, não apenas para sua própria subsistência, mas para fortalecer a cultura de seus estados e do Brasil. A produtora cultural e contadora de histórias no Tocantins, Irma Galhardo, comenta que a MP surpreendeu artistas: “Recebemos a notícia com tristeza, a classe artística aguarda ansiosamente pelos editais, pois o último recurso que chegou até nós foi há um ano e sete meses, com os editais da Lei Aldir Blanc”.
Projetos de Irma Galhardo contemplado com recursos da lei Aldir Blanc
Cícero Belém, coordenador do Comitê da Lei Paulo Gustavo no Tocantins, também comenta que a medida prejudica todo um fluxo de trabalho dos estados e municípios, para a organização da destinação dos recursos. “Os gestores todos já estão se articulando para receber os recursos, as escutas públicas já tiveram início, a exemplo a prefeitura de Palmas, para alinhar a forma como o recurso será aplicado e distribuído. Com a medida provisória, tudo isso muda”, comenta.
Belém também relembra que a cultura foi o primeiro setor a ter suas atividades paralisadas pelas medidas de contenção da Covid e o último a retornar, e da dificuldade para aprovar as leis de apoio. “Foi uma luta. O Brasil inteiro se mobilizou tanto pela aprovação da lei Paulo Gustavo, que é uma lei ainda emergencial e também em defesa da lei Aldir Blanc. Houve muita articulação, agentes culturais de todo o país que se mobilizaram com os parlamentares de cada estado para que essas leis fossem aprovadas”, relembra. Mas o fato é que investir em cultura não interessa apenas a artistas.
Cultura importa a todos
A cultura é um aspecto importantíssimo da formação da identidade de um povo. Mas para além da sua importância social e individual existe um aspecto econômico que impacta toda a sociedade.
Cícero Belém explica que para a produção de uma peça de teatro, por exemplo, são mobilizadas pessoas das mais diversas áreas. Do comerciante local, à costureira para a confecção dos figurinos, do marceneiro que irá produzir os cenários, à produtora de vídeo e o buffet para alimentação da equipe. Ou seja, “os recursos aplicados em atividades culturais e artísticas têm impacto direto na sociedade. Esse dinheiro não fica simplesmente na mão do artista. Ele chega para o artista e é distribuído em toda uma cadeia produtiva”, explica Belém.
De acordo com o ator e coordenador do Comitê da Lei Paulo Gustavo no Tocantins, somando os recursos do estado e dos 139 municípios, o Tocantins receberia 41 milhões de reais para incentivo à cultura. “É uma perda muito grande esse dinheiro que poderia, daqui a quatro meses, estar impactando a nossa economia, contribuindo para a melhora da qualidade de vida das nossas pessoas”, lamenta, Belém.
O que ainda pode ser feito
Deputados, senadores e agentes culturais de diversos estados, se reuniram em uma plenária, na última segunda-feira, para esclarecer a medida provisória e definir um plano de ação. Diversos parlamentares se comprometeram a pressionar a presidência do Congresso Nacional, pela devolução da medida provisória.
Além disso foi criada uma petição online, também com o intuito de pressionar o Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, a devolver a MP nº 1.135, de 29 de agosto de 2022. Você pode assinar a petição clicando neste link.
Esta reportagem foi produzida com apoio do programa Diversidade nas Redações, da Énois, um laboratório de jornalismo que trabalha para fortalecer a diversidade e inclusão no jornalismo brasileiro. Confira as metodologias na Caixa de Ferramentas.
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