A Parada do Orgulho LGBTI+ ocorreu no último domingo, 18, levando dezenas de pessoas ao Parque dos Povos Indígenas, em Palmas. No clima de celebração, os frequentantes acompanharam as atrações do trio elétrico, que percorreu o trajeto até a Avenida Palmas Brasil Norte, onde uma estrutura com palco aguardava os participantes para desfrutarem o restante da parada.
Essa é a 18ª edição do evento que marca o início do reconhecimento do movimento lgbtqia+ em Palmas, ou seja, o reconhecimento da existência das vidas de pessoas “lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, queer, intersexo, assexuais e outras identidades” dentro da sociedade palmense.
A comemoração acontece internacionalmente todo mês de junho, em alusão ao 28 de junho de 1969, nos Estados Unidos, quando dezenas de manifestantes protestaram em frente ao bar Stonewall Inn em Greenwich Village, Nova York contra a violência de policiais que rondavam o estabelecimento todas as noites. O momento foi um marco que estabeleceu o movimento anti-glsfobia (agora chamada lgbtqia+fobia), influenciou gerações e paradas subsequentes, incluindo esta, na capital tocantinense, 54 anos depois.
Em 2023, o tema do encontro foi “20 Anos do Movimento LGBTI+ do Tocantins”, organizado pelo Coletivo Diversidade Tocantinense, com o apoio de órgãos e secretarias dos governos federal, estadual e municipal.
Nesta matéria, tivemos a oportunidade de entrevistar dois organizadores da Parada, o professor Damião Rocha, e o assessor Daniel Lélis. Ambos abordaram o progresso do evento, a sua importância para o movimento e o que podemos esperar para o futuro.
Confira a conversa a seguir:
A quanto tempo você faz parte da organização? Quem mais participa?
Daniel: “Então, hoje a parada é organizada por um coletivo chamado “O Coletivo da Diversidade Tocantinense.” Eu estou na organização há uns 8 ou 9 anos e venho desde quando a parada era por outro grupo, o grupo Ipê Amarelo de Luta pela Orientação Sexual.”
Qual dificuldade vocês tiveram na organização do evento esse ano?
Daniel: “Bom, esse ano tivemos o apoio da Prefeitura de Palmas, Fundação Cultural e Secretaria de Desenvolvimento Social. Esse apoio foi muito importante para a estrutura do evento, a gente contou com uma estrutura melhor do que a do ano passado. Mas de toda forma, sempre é muito difícil conseguir apoio do poder público. Mas temos buscado contornar isso e esse ano, graças a Deus e também ao apoio da prefeita Cíntia Ribeiro, conseguimos fazer um evento bonito, organizado, estruturado. Mas o nosso desejo é que, a partir dos próximos anos, além do poder público, a iniciativa privada possa também participar conosco da parada e a gente sabe que conseguimos movimentar bastante a economia dos locais que recebem o evento.”
“Vimos na Palmas Brasil Norte um comércio bastante aquecido, os bares não tinham mais bebidas para vender porque tinha acabado todo estoque. Também fomentamos a economia dos pequenos empreendedores que vão lá, vender cachorro quente, sanduíche, espetinho, bandeira, copo… Então a maior dificuldade é essa, a falta de apoio, e espero que ano que vem a gente consiga, além do apoio do poder público, como foi esse ano, a gente também consiga aliados da iniciativa privada.”
Como tem sido a recepção da comunidade ao evento?
Daniel: “A recepção da comunidade é sempre muito boa, recebemos um feedback muito bom da população, as pessoas abraçam a parada. A gente viu que esse ano, ao longo do percurso (da caminhada), encontramos várias pessoas felizes de ver a parada na rua, na Palmas Brasil Norte. Muita gente também foi lá recepcionar a parada, independente de ser LGBT ou não. Vimos que existem muitas pessoas que têm compromisso com a construção de uma sociedade mais justa, fraterna, igualitária e que estão junto conosco, celebrando a diversidade nessa grande festa que é a parada LGBTI de Palmas.”
Qual a importância do evento?
Daniel: “A parada é importante porque é a expressão máxima da luta pela diversidade sexual no Tocantins. Ela é uma celebração, mas também é um protesto por direito, por cidadania, por respeito. Só o fato dela existir já é uma vitória para o movimento LGBTQIA+, é uma vitória para sociedade, porque temos um grupo organizado que sai às ruas e que se manifesta pacificamente. É uma festa democrática, uma festa ordeira, nunca houve ocorrências durante a parada. A gente sempre teve um evento muito tranquilo onde as pessoas podem se divertir, podem celebrar, junto com seus familiares, quem elas são e o que elas querem. Graças a Deus, nesses dezoito anos, a gente conseguiu certamente fazer a diferença na vida de muitos LGBT e eu costumo dizer como LGBTI que a parada é como se fosse um ano de terapia.”
“Então, quando a gente tá se descobrindo, tá se assumindo, ela ajuda bastante nesse processo de construção da identidade, a gente se aceita, se respeita e entendemos que somos iguais na nossa diferença. Merecemos respeito e ser incluído nas políticas públicas.”
Vocês pretendem trazer novidades para os próximos eventos? Quais?
Daniel: “Então, na verdade a gente fez um formato diferente esse ano né, pela primeira vez a parada chegou a região norte da capital e saímos do Parque dos Povos Indígenas e fomos em direção a Palmas Brasil Norte. Esse formato deu muito certo, então ano que vem a gente mantém. Pensamos em talvez trazer uma atração artística em escala nacional, que possa dar ainda mais visibilidade ao evento, aumentar ainda mais o público.”
Damião, como um veterano, quais mudanças têm notado na parada lgbtqia+ palmense?
Damião: “Estou desde a 1ª parada de 2003. Eu mesmo protagonizei o primeiro beijo gay na TV na época, porque até então, nunca houve (um beijo gay na TV palmense) e as pessoas LGBTQIA+ tinham medo desse ato em público.”
“A 1ª parada virou um documentário relacionado com a história da criação de Palmas, virou um fato histórico realmente. De lá pra cá mudamos muito, apesar de sempre estarmos na luta pela igualdade de gênero. Somos um movimento social e ,dependendo do poder central de Brasília, avançamos ou fazemos recuos, mas estamos caminhando para maior visibilidade e afirmação de direitos individuais e coletivos da nossa população LGBTI+ no Tocantins.”
Como funciona hoje a infraestrutura do evento?
Damião: “O movimento LGBTI+ no Tocantins é organizado a partir de diversos coletivos. São mais de 20 coletivos da sigla no Tocantins e, como não são ONGs, não têm recursos financeiros. Quem garante a infraestrutura da semana da diversidade e da parada são os órgãos de governo, seja federal, estadual e municipal, como, por exemplo, a Fundação Cultural, a Secretaria de Infraestrutura, a própria Prefeitura, assim como o apoio da Secretaria de Mobilidade com os agentes de trânsito, a polícia militar, além da Defensoria, e ONGs como a Casa A+.”
Qual repercussão vocês pretendem alcançar?
Damião: “Não somos um movimento partidário, mas queremos visibilidade e direitos. Buscamos equidade de gênero e não uma ditadura, uma muralha de ódio que divide a sociedade entre pessoas LGBTI+ e pessoas heterossexuais, queremos uma sociedade plural, diversa, cada um podendo viver o que é e sente. É nesse sentido que estudamos gênero, para que a sociedade entenda que não se trata de sermos contra a família, até porque também temos família, o que queremos é denunciar o preconceito, a LGBTfobia, a violência, o ódio, os assassinatos contra as pessoas LGBTI+. Lutamos pela vida, pelo direito de sermos diferentes, o que não é nada mais o que é nosso direito constitucional conforme o artigo 5º da Constituição Federal de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade”. É sobre isso, uma luta sempre por direitos e nunca por privilégios.”
E a sociedade palmense, parece aceitar melhor a parada?
Damião: “Nestes 20 anos de movimento, houve sim, uma conscientização das famílias, da sociedade e do poder público, que somos todos cidadãos brasileiros/as e que a identidade de gênero de cada uma e cada um, é um direito do ser humano. Neste domingo (18/06), pela primeira vez fui no trio elétrico, e, de cima, vi manifestações emocionantes. Os moradores dos prédios por onde passamos acenaram e aplaudiram, apoiando a passagem da parada, ou melhor, manifestando pela vida de pessoas nessa grande festa de visibilidade que é a parada. Confesso que me emocionei como ainda não tinha me emocionado nestes anos em que organizei e participei. Foi lindo de se ver!.”
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