Medicamento usado contra malária e doenças autoimunes tem sido promovido por Trump e Bolsonaro como saída para a Covid-19, mas estudos ainda não foram concluídos
PHOENIX, EUA — Um homem de 60 anos morreu e sua esposa, com a mesma idade, foi hospitalizada nos Estados Unidos no último domingo após se automedicarem ingerindo uma forma de cloroquina, um produto químico recentemente apontado como possível aliado na prevenção e tratamento do novo coronavírus. As identidades dos dois não foram reveladas.
Estudos publicados em revistas acadêmicas dos EUA, China e França apontaram que as drogas cloroquina e hidroxicloroquina, atualmente usadas no tratamento da malária e de doenças reumatológicas, apresentaram resultados promissores contra a Covid-19 – o que gerou uma procura maciça pelos compostos no mundo.
Segundo a National Public Radio, uma organização americana de mídia sem fins lucrativos, o hospital onde o casal ficou internado, em Phoenix, Arizona, informou que o homem e a mulher ingeriram “fosfato de cloroquina, um aditivo comumente usado em aquários para limpar tanques de peixes”. O aditivo para aquário que o casal ingeriu, portanto, não seria o mesmo que o medicamento usado no tratamento da malária, cujo uso é investigado para tratar coronavírus. .
“Trinta minutos após a ingestão, o casal apresentou efeitos que exigiam internação”, afirma o comunicado do hospital, de acordo com a NPR. Entre os efeitos, náusea e vômitos. Ainda segundo o informe, o homem morreu de parada cardíaca e a mulher foi internada em estado crítico. Eles não foram testados para o coronavírus
“Dada a incerteza em torno do Covid-19, entendemos que as pessoas estão tentando encontrar novas maneiras de prevenir ou tratar esse vírus, mas a automedicação não é a maneira de fazê-lo”, disse Daniel Brooks, diretor médico do centro de estudos Banner Poison and Drug Information, do hospital no Arizona, à NPR.
Brooks disse, de acordo com o New York Times, que o casal leu sobre cloroquina na internet, onde ele aponta haver muitas informações erradas sobre os tratamentos para Covid-19. Ele destacou ainda os perigos da automedicação e que é preciso confiar em fontes oficiais, como a Organização Mundial de Saúde e as autoridades estaduais de saúde para aconselhamento médico – “não a Internet ou os políticos”.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, destacou, na última quinta-feira, a cloroquina e a hidroxicloroquina como compostos promissores para prevenção ou tratamento da Covid-19. Trump disse ainda que seu governo simplificou os procedimentos da Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês) para que possam liberar o medicamento rapidamente.
No Brasil, compra apenas com receita e exportação proibida
No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, neste sábado, que os laboratórios químicos e farmacêuticos do Exército vão ampliar a produção de cloroquina. A divulgação de estudos apontando para a eficácia da cloroquina levou a uma corrida de brasileiros para farmácias. A Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) teve que restringir a venda da droga para pacientes com receitas pelos próximos 30 dias. Além disso, a exportação também foi proibida.
O Ministério da Saúde aguarda um parecer, previsto para a próxima semana, para decidir sobre o uso do composto e hidroxicloroquina para pacientes graves do novo coronavírus. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, declarou, nesta sexta-feira, que o remédio estaria disponível para o tratamento de casos graves no Brasil. Porém, procurada pelo GLOBO, a pasta negou. A incorporação poderá ser feita após esse parecer técnico do ministério, que reunirá informações sobre o uso dos medicamentos para tratar o coronavírus.
Em entrevista ao GLOBO, publicada na semana passada, o professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mauro Teixeira, um dos maiores especialistas do Brasil em desenvolvimento de tratamentos para doenças infecciosas, alertou sobre riscos na corrida pela cloroquina e outros medicamentos em testes para Covid-19:
— (O uso desses remédios antes da conclusão de estudos pode levar a) Uma epidemia de intoxicação de gente que não estava doente e de morte de pessoas que precisam desses medicamentos e ficaram sem eles porque os apavorados compraram todos. Nos próximos dias e meses vão surgir muitos resultados como os da hidroxicloroquina, mas isso não quer dizer que essas drogas devem ser tomadas agora.
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