Chats e contas de Instagram e Whatsapp tornam-se canais de oferta de ajuda profissional gratuita; Ministério da Saúde busca parcerias para oferecer o serviço
Preocupados com a saúde mental de profissionais da linha de frente do combate ao coronavírus, conselhos e grupos de psicólogos se organizaram para oferecer voluntariamente ajuda a eles durante a pandemia de Covid-19.
Embora não haja um dado consolidado sobre atendimentos, os serviços têm sido bastante requisitados e, entre os relatos mais frequentes dos profissionais, estão o medo de ser infectado e passar a doença a familiares e a queixa de ter que trabalhar sem os equipamentos necessários.
No chat do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), os pedidos de ajuda emocional foram muitos: quase mil atendimentos entre os dias 26 e 29 de março. Outros 230 enfermeiros e técnicos ficaram na fila e desistiram da conversa, tamanha era a procura.
Para evitar a demora, o conselho aumentou o número de profissionais especializados em saúde mental. Hoje, são 150. A maior parte dos pedidos vêm, justamente, dos estados mais atingidos: Rio e São Paulo. Mas, há procura do país inteiro.
Conversa online aberta, profissionais demonstram suas angústias: “quando isso tudo vai passar?” é uma delas. Fora isso, muitas vezes, não há tempo para sequer comer. E até as idas ao banheiro são controladas: ir o mínimo de vezes diminui o descarte de equipamentos e materiais que andam em falta.
— É um trabalho de muito sofrimento. Tem enfermeiros sem voltar para casa, dormindo em hotéis e pousadas para não infectar a família. Tem profissionais que levaram a família para a casa de outro parente para protegê-los — relata Dorisdaia Carvalho de Humerez, coordenadora da comissão nacional de enfermagem e saúde mental do Cofen e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), informando que muitos estão sem ver as pessoas que amam.
O Ministério da Saúde ainda não criou nenhum serviço desse tipo, mas informou ao GLOBO que está elaborando notas técnicas e protocolos para suporte psicológico aos profissionais de saúde. A pasta está em busca de parcerias para viabilizar as estratégias nos estados e municípios.
Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) informou desconhecer iniciativas desse tipo no âmbito dos Conselhos de Medicina. O Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), no entanto, informou que disponibilizou em seu site um canal exclusivo para os médicos relatarem qualquer tipo de dificuldade em relação a este momento.
Psicologia solidária
Uma das maiores redes de apoio à saúde mental dos profissionais dessa linha de frente foi constituída pelo grupo “Psicologia Solidária Covid-19″ (@psicologiasolidaria.covid19 no Instagram).
A inciativa começou tímida, no WhatsApp, mas rapidamente ganhou apoio nas redes sociais e já tem cerca de 800 psicólogos cadastrados em todos os estados para atender voluntariamente médicos, enfermeiros, técnicos e outros funcionários de hospitais.
O grupo já recebeu mais de 200 solicitações de ajuda em uma semana, a maioria de profissionais da saúde, mas há também, ainda que em menor quantidade, solicitações de alguns brasileiros que estão no exterior e não estão conseguindo voltar.
O contato de quem pede ajuda é repassado a um psicólogo, que combina a data e hora do atendimento, feito virtualmente, com duração de 50 minutos. O trabalho conta com supervisores.
—Começamos dia 23 e vamos até essa pandemia terminar.A gente sabe que esse profissional está lidando com a doença e vai esquecer de cuidar dele próprio. O que fazemos é uma escuta terapêutica, não é uma psicoterapia porque não há um acompanhamento. Já atendemos médicos, enfermeiros e muitos fisioterapeutas, farmacêuticos e recepcionistas. E é interessante porque eles têm outra visão da doença — diz Paula Caruso, coordenadora técnica do grupo.
No Ceará, 11 profissionais do grupo Psicólogos Voluntários (@psicologosvoluntariosceara no Instagram) oferecem o serviço de atendimento on-line voluntário, visando ao acolhimento de profissionais da saúde e jornalismo em meio à crise da pandemia.
No Recife, um grupo de 18 psicólogos colocou os telefones celulares à disposição para dar ajuda voluntária a profissionais da saúde e outras pessoas que estejam abalados emocionalmente por conta da quarentena.
— O profissional da linha de frente pode ter crises de ansiedade e pânico. Muitos profissionais de saúde que não querem, mas têm que trabalhar. Muitos estão com medo de ser contaminar e transmitir a doença à família, outros porque sabem que não vão ter os equipamentos de proteção individual para trabalhar. Temos que oferecer o mínimo de saúde mental para esses profissionais porque precisamos que eles estejam bem — diz Selme Lisboa, que coordena o serviço escola do curso de psicologia da faculdade Esuda e o grupo de voluntários (@projeto_incubadora_esuda no Instagram).
Na Bahia, 16 psicólogos se organizaram e também disponibilizaram suas linhas telefônicas para profissionais de saúde e outras pessoas que sintam necessidade de ajuda. Por isso, o projeto foi batizado de Linha Aberta (@linha.aberta no Instagram).
Foram procurados por médicos e enfermeiros, mas também por entregadores e gestores de empresas que estão em dificuldades diante da pandemia. O acolhimento dura cerca de 20 minutos.
— Há um sentimento de angústia e ansiedade e acentuação dos sintomas de depressão — afirma Andressa Carvalho, explicando outro tipo de problema enfrentado pelos profissionais de saúde, com a pressão que acaba gerando estresse. — Esse profissional pode atingir um nível de estafa e, por estar nessa linha de frente, não pode sair (da função), não é uma escolha.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já manifestou preocupação com a saúde mental de diversos grupos, incluindo profissionais de saúde.
A organização afirma que o estresse e a pressão de lidar com o trabalho na linha de frente, além do risco de adoecer, levam a problemas de saúde mental, aumentando a síndrome de burnout (distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso), a ansiedade e a depressão.
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