Ministério da Saúde projeta que 40% dos trabalhadores do setor terão de se afastar ao longo da crise do novo coronavírus
Com o avanço do novo coronavírus, o Brasil vai precisar lidar com uma situação já enfrentada em outros países: o adoecimento dos profissionais de saúde durante a pandemia. O Ministério da Saúde projeta que 40% dos trabalhadores do setor terão de se afastar ao longo da crise. O Hospital Sírio-Libanês já afastou ao menos 104 funcionários com a doença. Um levantamento do GLOBO a partir dos dados mais recentes do Conselho Federal de Medicina (CFM), reunidos em 2018, mostra que ao menos um a cada cinco médicos no Brasil possui 60 anos ou mais. Dos 414.831 profissionais dessa categoria no país, 84.310, ou 20,3%, estão nessa faixa etária.
O vice-presidente do CFM, Donizetti Giamberardino, afirma que o risco de perder mão de obra durante a epidemia é um “grande problema” e também projeta um afastamento de 40% da força de trabalho por causa do Covid-19 e de outras doenças. O CFM recomenda que médicos com mais de 60 anos não atendam diretamente casos de coronavírus. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) faz a mesma recomendação.
Ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão avalia que o país não tem como abrir mão de um profissional de saúde sequer, mesmo os dos grupos de risco. Ele acredita que, se as medidas de isolamento social não forem cumpridas, a situação vai se agravar muito.
— Vamos precisar de todos. Vai faltar gente, como vamos abrir mão deles? — analisa Temporão, hoje pesquisador da Fiocruz, para quem é impossível afastar os médicos com mais de 60 anos do atendimento de casos relacionados ao Covid-19. — Isso seria possível se tivesse um número de profissionais para atender os casos graves, o que não temos e não teremos.
Mário Scheffer, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e líder do estudo sobre Demografia Médica do CFM, acredita que mesmo com os afastamentos o número de profissionais de saúde no Brasil é suficiente. Porém, ele ressalta que a distribuição das equipes é desigual.
— O Brasil vai precisar decidir qual é a participação do setor privado na epidemia. E, hoje, o setor privado concentra mais médicos e mais estruturas e leitos de UTI que o SUS proporcionalmente — afirma Scheffer. — Num momento de emergência sanitária, o que se espera é uma readequação disso. Um comando único para que toda a estrutura pública e privada estejam subordinadas a uma lógica única e isso precisa ter uma normatização.
No front
O medo e o cuidado estão presentes em médicos do Rio que estão no grupo de risco. Adilson Mariz, de 66 anos, é cirurgião vascular e trabalha na emergência do Hospital Miguel Couto, na Zona Sul. Na sala de terapia intensiva, montada para atender casos graves de Covid-19, Mariz está no front contra a doença. Ele admite que tem medo e redobrou os cuidados, mas ressalta que há poucos profissionais experientes nas emergências.
— Você não pode abrir mão de um profissional com experiência de décadas — argumenta o cirurgião.
Nayá Puertas, de 62 anos, trabalha em uma clínica da família na região central do Rio. Afastada no último dia 17 por apresentar sintomas de uma gripe e do coronavírus, ela não foi testada. Apesar do retorno marcado para o dia 31, Nayá não sabe como será e defende que os médicos mais velhos assumam outras funções.
— É muito difícil num momento de pandemia que eu me sinta confortável em não trabalhar — afirma.
O médico radiologista Waldir Maimone, de 59 anos, trabalhava diretamente com os casos de Covid-19 no Hospital Municipal Jesus e no Hospital Universitário Pedro Ernesto, ambos na Zona Norte. Prestes a completar 60 anos, ele luta contra a pressão alta, que piorou no combate à doença, e se afastou. Sem equipamentos de proteção adequados, a preocupação só aumentava.
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