Por Raabe Andrade
Tocantins… Jalapão…
De uns anos para cá, principalmente após a gravação de uma novela em terras jalapoeiras, essa associação se tornou mais comum. Basta digitar “Tocantins” no Google, que ele imediatamente sugere: “Jalapão”. Mas outras associações de palavras também deveriam ser feitas.
Tocantins… Jalapão… Cerrado…
O Tocantins fica numa região de fronteira com o bioma amazônico, mas a maior parte do estado (cerca de 91% de seu território) é formado pelo Cerrado, o Jalapão inclusive. Mas quando falamos desse bioma, mais uma palavra deveria vir à mente.
Tocantins… Jalapão… Cerrado… Ameaça…
O Cerrado é hoje um dos biomas mais ameaçados do Brasil e do mundo. Ele já perdeu quase metade da sua vegetação nativa e o Tocantins é o estado onde a maior parte dessa devastação aconteceu na última década.
Mas não queremos ser injustos de finalizar essa pequena introdução sem mencionar a principal palavra, aquela que vem antes da ameaça e certamente muito antes das classificações biológicas e políticas. VIDA. O Cerrado está cheio dela! Vidas animais, vidas vegetais, vidas que nossos olhos veem e vidas que eles não veem. Há também muita vida humana, vida de pessoas que se importam, que lutam e preservam. Há vida no Cerrado e a vida sempre vence!
O Bioma
O Cerrado é um bioma de savana, seu clima é quente e existem períodos bem definidos de seca e de chuva. Apesar de sua vegetação parecer quase sempre meio seca e suas árvores não serem frondosas como as da Amazônia, a flora do Cerrado é riquíssima! A depender da localização, sua vegetação varia: enquanto algumas áreas têm vegetação rasteira (formada por gramíneas e arbustos), outras têm maior quantidade de árvores (geralmente pequenas e de troncos retorcidos). Essa variação cria nichos ecológicos que permitem a existência de mais de 2 mil e seiscentas espécies entre mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes. Isso faz do Cerrado o terceiro bioma com maior diversidade de fauna do Brasil!
E é em meio a tanta vida que se encontra o Jalapão, talvez o reduto de Cerrado mais conhecido do Tocantins. Formado por grandes dunas e planaltos, repleto de rios e cachoeiras, habitado por comunidades tradicionais quilombolas e protegido por uma área de preservação. Nada poderia abalar a paz desse paraíso, não é mesmo? Infelizmente, parece que não.
As ameaças
A região do Jalapão está inserida em uma unidade de conservação de proteção integral. Isso quer dizer que toda sua área é destinada à preservação da biodiversidade e que apenas algumas atividades econômicas são permitidas, como as práticas de ecoturismo, por exemplo. Existe toda uma regulamentação que define o que é permitido dentro do Parque Estadual do Jalapão e isso tudo é administrado pelo governo do estado. Mas então se o interior do parque está tão protegido e regulamentado, onde está a ameaça? No seu entorno.
O biólogo Fábio Gamba, doutorando em Ciências do Ambiente pela UFT (Universidade Federal do Tocantins), estudou o avanço da monocultura de soja no entorno do Parque Estadual do Jalapão e de outras unidades de conservação próximas a ele, numa região conhecida como MATOPIBA (que se refere aos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). O conjunto das unidades de preservação dessa região forma o Mosaico do Jalapão e segundo o biólogo, existe uma grande pressão territorial nesta área para o avanço agrícola, principalmente da monocultura de soja. Isso se confirma quando vemos os dados da Companhia Nacional de Abastecimento: entre os anos de 2004 e 2017, os estados do MATOPIBA tiveram um aumento de 156% na sua produção de soja e incremento de 300% na área destinada à plantação. Ou seja, na medida em que aumentou a produção de soja, aumentou também a demanda por novas terras agricultáveis e consequentemente, houve maior pressão sobre as áreas de preservação.
Fábio explica que essa pressão é ainda maior em unidades de uso sustentável, onde, diferente do Parque do Jalapão, é permitido algum nível de utilização dos recursos naturais. A cultura da soja chega cada vez mais perto das unidades de preservação, apoiada por fortes lobbies para a flexibilização do uso das terras e, às vezes, até se apropriando de partes de seu território.
Mas curiosamente, quando conversamos com Ilana Cardoso, moradora da comunidade quilombola Mumbuca, que fica dentro do Parque do Jalapão, o agronegócio não foi apontado como o problema mais iminente ou mais visível. Isso pode ser explicado, em partes, pela geografia do Jalapão. “O Jalapão tem uma característica que é muito peculiar: ele tem uma formação de solo que dificulta a implantação da cultura de soja. Até hoje não foi descoberto uma maneira de plantar soja no Areião, por exemplo”, explica Fábio. Por esse motivo, o território do Parque Estadual do Jalapão, acaba não sofrendo tanta pressão quanto as outras áreas de preservação do Mosaico e como consequência, o problema da pressão da soja fica menos evidente.
Mas por mais que não sejam notadas tão fortemente agora, as consequências indiretas da exploração da soja, nas áreas do entorno do parque são reais. A região é rica em cursos d’água, mas pode sofrer com o assoreamento dos leitos dos rios, contaminação por agrotóxicos e fertilizantes, além da perda de grandes volumes de água das bacias hidrográficas, causada pela irrigação e pela destruição da vegetação nativa. Situações que podem trazer grandes prejuízos não só à biodiversidade local, mas também às comunidades tradicionais que habitam a região.
As pessoas como parte da solução
Além de quilombola e moradora do parque, Ilana Cardoso é proprietária de uma agência de turismo de base comunitária. Empresas como essa atuam de maneira diferente das agências de turismo tradicionais. Elas têm como pilar a sustentabilidade e o respeito ao meio ambiente, são feitas por pessoas da comunidade e colocam a comunidade local como protagonista de todo o processo. Isso permite um turismo de imersão, em que os visitantes são convidados a conhecer a cultura e os costumes locais, mas principalmente, a aprender o modo de vida integrado das pessoas com seu território.
Ao compreender os princípios do trabalho de Ilana, entendemos também a sua maior preocupação quanto ao Jalapão. “A gente ouve de pessoas importantes comprando terras no Jalapão, nas áreas em volta e a gente fica preocupado. São pessoas de fora que querem explorar o turismo, construir resorts, mas que não se importam com o Jalapão, não se preocupam em preservar”. Ilana teme que a intensificação da atividade turística feita por pessoas que não entendem o Jalapão como uma herança natural ancestral a ser preservada, contribua para sua degradação
Mas por que falar de turismo de base comunitária num texto sobre o avanço da soja no Jalapão? Porque seja contra o turismo exploratório ou contra o agronegócio asfixiador, as pessoas do Jalapão são a solução! E nesse ponto, tanto Ilana quanto Fábio concordam: é preciso fortalecer o diálogo com as comunidades tradicionais, consolidar o turismo de base comunitária e transformá-lo em um instrumento de educação ambiental. Quando abrem suas casas, quando ensinam sobre suas tradições e quando expõem seu modo de se relacionar com as pessoas e o meio ambiente, as comunidades quilombolas do Jalapão estão fazendo mais do que oferecer serviço turístico. É o que conclui o biólogo: “A pessoa que conheceu o Jalapão e teve acesso a esse tipo de informação por meio das comunidades, vai defender essa causa no Rio de Janeiro, em São Paulo, onde for”. Lembremos sempre: há muita vida no Jalapão e a vida sempre vence!
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