Do racismo nos algoritmos ao desemprego: os desafios da mulher negra em tecnologia

Foto: Daniel Thomas / Unsplash

 

Apesar de muitas empresas levantarem discursos de diversidade, realidade ainda mostra dificuldades para mulheres negras em TI

 

Mesmo com bandeiras de diversidade cada vez mais em evidência, o setor de tecnologia traz um paradoxo. Apesar da alta demanda de emprego, muitas empresas dessa área ainda não contratam profissionais negras ou as negligenciam como público. É uma reflexão importante para o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, que acontece nesta segunda-feira (25).

Uma compilação de dados oficiais da ONG PretaLab mostrou que apenas 11% das mulheres negras trabalham em empresas de tecnologia do Brasil. Além disso, só 3% estão matriculadas em um curso de Engenharia da Computação.

Em 2020, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) também mostrou que mulheres negras ganharam 48% menos e possuem quase o dobro da taxa de desemprego que homens brancos ou asiáticos.

Além das dificuldades para se firmarem como cientistas ou tecnológas, mulheres negras sofrem com problemas como racismo algorítmico, que criam situações de constrangimento para elas nas plataformas e redes sociais; e apagamento histórico de seus feitos, invisibilizando-as em detrimento das conquistas dos colegas homens.

Mulheres negras e tecnologia: resgate da história

Embora os setores de ciência e tecnologia tenham forças de trabalho majoritariamente masculinas, são inúmeras as contribuições de mulheres negras.

Annie Easley, por exemplo, foi uma cientista aeronáutica que desenvolveu nos anos 60 um software para o Centaur, um dos lançadores de foguetes mais importantes da Nasa. Já Valerie Thomas inventou em 1980 o transmissor de ilusão, aparelho que cria ilusões de ótica em 3D. Bessie Blount Griffen, por sua vez, inventou uma máquina para auxiliar pessoas que perderam membros do corpo a se alimentarem sozinhas em 1951.

De acordo com a fundadora do Instituto Sumaúma, Taís Oliveira, e a CEO do Afroya Tech Hub, Andreza Rocha, são diversos os trabalhos de mulheres negras e latino-americanas hoje que promovem debates e ampliam o espaço delas na internet. Exemplos de coletivos do tipo no Brasil são Blogueiras Negras, Conexão Malunga, Aqualtune Lab e Mulheres Negras Decidem.

“Além desses, projetos como Minas Programam desenvolvem trilhas de formação para mulheres, sobretudo negras e periféricas, que visam inseri-las no ecossistema de tecnologia”, complementa Oliveira.

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A educação é fundamental para ajudar o apagamento de negras na história da tecnologia. Segundo Rocha, a Lei 10.639/03 prevê que os ensinos fundamental e médio tragam conteúdos sobre história e cultura afro-brasileira.

Tais Oliveira, fundadora do Instituto Sumaúma

Foto: Acervo Pessoal

Dificuldades no mercado de tecnologia

De acordo com a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), há uma falta de 24 mil profissionais por ano no mercado nacional de tecnologia. Mulheres negras poderiam suprir essa necessidade, mas são constantes os relatos de dificuldades para trabalhar no setor.

Oliveira lembra que o machismo por si só influencia esse panorama. “As mulheres negras sofrem uma dupla opressão: a do machismo e a do racismo”, afirma. Para ela, as organizações que levantam a bandeira da diversidade precisam se comprometer com a causa de maneira profunda.

Uma solução, para Oliveira, seria selecionar pessoas negras para cargos de chefia, e não apenas táticos ou operacionais, como normalmente são a maioria das funções que pessoas negras ocupam nas empresas de tecnologia. Mas isso não é o suficiente: “É imprescindível um programa de letramento racial em toda a estrutura da organização, além de programas de permanência e oportunidades em cargos estratégicos”, explica a pesquisadora.

Rocha também questiona: “O desenvolvimento de um produto tem várias camadas, sendo o código, a programação em si, apenas uma parte. Se estamos de fora desde a concepção, como poderemos pensar em soluções que atendam ou resolvam problemas reais de 54% da população?”. Por isso, a CEO acredita que mulheres negras têm características e contextos específicos que precisam ser levados em conta no desenvolvimento de novas soluções.

Andreza Alves Rocha, fundadora do Afroya Tech Hub

Foto: Acervo Pessoal

A tecnologia também pode ser racista?

Infelizmente, não é novidade nos depararmos com notícias que falam sobre “algoritmo racista”, como já vimos ocorrer com o algoritmo do Google Fotos e do Facebook, que associaram rostos negros com os de primatas. Também não é incomum ficarmos sabendo de prisões feitas “por engano” por conta de tecnologias que identificaram erroneamente um criminoso.

A plataforma de mídia social Twitter também já foi acusada de ter um algoritmo racista. Quando havia uma foto de pessoas brancas e negras, a rede social sempre escolhia rostos brancos para dar posição de destaque, independentemente da quantidade de rostos negros que estivessem presentes na foto.

Para Oliveira, a frase de Ruha Benjamin, socióloga negra da Universidade de Princeton, faz sentido: “as tecnologias renovam os sistemas de opressão”. Ela afirma que como a maioria das tecnologias pertencem a grandes corporações, os interesses são mais ligados ao lucro e menos à dignidade humana. Assim, muitas tecnologias são questionadas por organizações, coletivos e acadêmicos, como é o caso do reconhecimento facial – sobre o qual se pede até mesmo o completo banimento em uma carta aberta.

No documento, a defesa é de que as ferramentas de reconhecimento facial podem violar direitos de privacidade, liberdade e igualdade, e têm ocasionado abusos aos direitos humanos ao redor do mundo. “Um exemplo, retratado no documentário Coded Bias, é o uso do reconhecimento facial pela polícia do Reino Unido e a associação incorreta (até o ano de 2018) de 98% dos rostos apontados como correspondentes a pessoas foragidas”, escreve a carta.

 

Fonte:Terra

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